Poucas coisas neste mundo são perfeitas! A perfeição é redonda, (aparentemente) fácil, macia, profunda, envolvente e absurdamente simples!
Não há o que botar um defeito sequer na interpretação de Fernanda Montenegro na peça "Viver em tempos mortos" onde ela dá voz à fascinante Simone De Beauvoir.
Como a perfeição é linda de se ver e de se sentir! E a percepção do perfeito é igualmente sublime.
As duas, Fernanda e Simone, impressionam em igual intensidade. A primeira, diva, sacramentada em seu altar, o palco. A segunda, liberta e libertina. Revolucionou na coragem em levar a vida segundo sua própria vontade. Filosofou sobre o amor, o sexo, sobre a condição feminina, rompeu com a regra. Foi fiel a ninguém menos do que ela mesma.
Para mim, que tenta entender as relações humanas com o sexo, conhecer um pouco sobre Simone, foi, no mínimo, interessante. Ela e Sartre mantiveram um relacionamento para a vida toda, onde o amor e a admiração mútua eram peças fundamentais. Numa comunhão, raramente vista entre um homem e uma mulher. No entanto, o relacionamento deles só teve sexo por um curto período. Ele perdeu o interesse. Ela não se abalou, continuaram juntos, cada um com a sua porção de liberdade. Organizavam orgias para a satisfação de ambos e compartilhavam o prazer. Ciúmes? Sentimento de posse? Tiveram vários casos. Simone era tranquilamente bissexual, apesar de preferir os homens. Dava vazão ao seu desejo. Simples assim. No entanto ela fala muito de solidão também. Quem escolhe ser livre tem que saber lidar com a solidão. E fala sobre o acaso, sobre não termos o real controle sobre nada. Porém nos escravizamos para ter a sensação de controle de nossas vidas. Profundo, com uma filósofa tem que ser.
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" O acaso sempre dá a palavra final"
Simone De Beauvoir |
Fernanda, uma senhora de 80 e poucos anos, entra sozinha no palco. Senta numa cadeira e ali fica por todo o tempo. Falando. Dando a Luz à sua personagem. Cada palavra, ou melhor, cada sílaba, tem uma entonação calculada, exaustivamente ensaiada e que soa tão natural e humano que chegamos a acreditar que a própria Simone, está ali. Ora tranquila, como numa conversa de bar, ora angustiada, ora com tesão, ora em profundo pesar...A técnica e a entrega de uma grande atriz.
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Fernanda, Perfeita! |
Ao final, cinco minutos de palmas. Merecidamente ovacionadas, as duas! E Fernanda, me pareceu emocionada. Não, aquilo ali, não era um mero dia de trabalho. Era o Perfeito. O melhor de si mesmo.
Não perca!
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